COMO ESPAÇOS POPULARES DE ACESSO DIGITAL VIRARAM MODELO DE POLÍTICA PÚBLICA DE INCLUSÃO E EMPREENDEDORISMO NAS PERIFERIAS.
Quando falamos em inclusão digital, tecnologia e políticas públicas de inovação, raramente nos lembramos das velhas lan houses.
Ainda assim, esses espaços - muitas das vezes improvisados, barulhentos, com cheiro de fritura, música alta e telas piscando - foram silenciosamente, uma das maiores redes de acesso à tecnologia nas periferias brasileiras nas duas últimas décadas.
Há não muito tempo, quando computadores eram artigos de luxo e a internet discada, com seu típico "barulhinho" do tipo "poing cheguei", era lenta, cara e não alcançava os lugares mais afastados dos centros urbanos, surgiam nas periferias casas onde, em garagens, os proprietários montavam pequenos comércios com um ou dois computadores, alugados por hora para adolescentes estudantes jogarem ou trocarem mensagens em sites de relacionamento.
Localizadas em bairros populares, favelas e zonas periféricas de grandes cidades, elas permitiram que milhões de jovens, muitos pela primeira vez, enviassem e-mails, fizessem pesquisas escolares, criassem perfis em redes sociais e se conectassem ao mundo.
Pense rápido!
"Qual foi a sua primeira experiência com a internet? Foi em uma Lan House?"
É curioso pensar e lembrar agora da época em que eu era professora e pedia trabalhos para meus alunos. Comecei a lecionar em 1992, e naquela época ninguém, nem mesmo eu, que estava no último ano da faculdade de Estudos Sociais, tinha acesso a um computador.
Meus alunos viviam outra realidade, não eram da periferia de um centro urbano, mas sim da zona rural. Uma realidade ainda mais desafiadora durante a expansão da internet entre os anos de 1990 e 2000.
Hoje, não consigo ficar um dia sem meu computador, é os tempos mudaram.
Pense no quanto as lan houses foram essenciais para os jovens daquela época!
Mais do que isso "as lan houses" foram centros de sociabilidade, formação técnica informal e até incubadoras de talentos. Muitos programadores, designers gráficos, editores de vídeo 'streamers' que hoje atuam no mercado digital tiveram seu primeiro contato com a tecnologia nesses espaços.
A cultura gamer, por exemplo, floresceu ali, impulsionada por torneios de "Counter-Strike", "League of Legends" e "FIFA", que reuniam centenas de jovens em eventos comunitários.
Do Mercado Popular à Política Pública
O movimento começou de baixo para cima. Enquanto o Estado ainda debatia planos de banda larga e acesso universal, pequenos empreendedores de periferia já tinham criado uma infraestrutura funcional de inclusão digital. Segundo dados do IBGE e do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), entre 2000 e 2015, mas de 60% dos jovens de 15 a 24 anos em áreas de baixa renda acessavam a internet por meio de lan houses.
Diante desse cenário, governos municipais e estaduais começaram a perceber o potencial desses espaços - não apenas como centros de lazer, mas como "plataformas estratégicas de educação, empregabilidade e inovação".
Projetos como o 'Ponto de Inclusão Digital (PID)', o 'Telecentro.br' e o 'Programa Acessa São Paulo' surgiram para estruturar essa demanda, ms muitos deles falharam por falta de manutenção, conectividade precária ou desconexão com a realidade local.
Foi então que uma nova geração de políticas públicas começou a olhar com mais atenção para o modelo das lan houses - não para substitui-los, mas para modernizá-los e integrá-los ao ecossistema de inovação.
Ano | Marcos Mundiais de Tecnologia & Sociedade | Fato sobre Lan Houses no Brasil | Fonte |
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2010 | iPad é lançado; Instagram estreia; 6,8 bi de pessoas no mundo | Pico de expansão: 65% dos jovens de periferia acessam internet só nas lan houses | IBGE – PNAD 2010 |
2011 | Vendas de smartphones superam PCs pela 1ª vez | Início do declínio: -8% de faturamento nacional | Sebrae, 2012 |
2012 | Facebook atinge 1 bilhão de usuários; Uber chega ao BR | 1ª onda de fechamentos: 12 mil unidades encerram | Jornal do Commercio, 2013 |
2013 | Jornada Mundial da Juventude no RJ; WhatsApp vira febre | Receita cai 25% em 12 meses; proprietários migram para cyber-cafés | Folha de S.Paulo, 2014 |
2014 | Lava Jato explode; Netflix estreia no Brasil | Fechamento de 22% das casas ativas no NE | IBGE, 2015 |
2015 | Impeachment de Dilma; atentados em Paris | Aparecem os 1ºs “espaços de coworking” em cidades médias | Sebrae, 2016 |
2016 | Pokémon GO explode; IA vence profissional de Go | 50% das lan houses viram assistência técnica + venda de acessórios | Pesquisa Sebrae, 2017 |
2017 | Bitcoin bate US$ 20 mil; Instagram Stories domina | Faturamento nacional cai para 1/3 do valor de 2010 | IBGE, 2018 |
2018 | LGPD é sancionada; 5G é testado no Brasil | Surge o modelo “GameHub” (espaço + curso de e-sports) | G1, 2019 |
2019 | Covid-19 chega; home office vira regra | Fechamento em massa: -70% de unidades ativas em 12 meses | Sebrae, 2020 |
2020 | Pandemia global; TikTok bate 2 bi downloads | Apenas 15% das lan houses sobrevivem, muitas viram “escritório remoto” | IBGE, 2021 |
2021 | Vacinação em massa; chip shortage afeta indústria | Estado de SP lança edital para transformar lan houses em pontos de inclusão digital | Governo SP, 2021 |
2022 | Guerra Rússia-Ucrânia; metaverso vira buzzword | Programa “Digitaliza Brasil” prevê conversão de lan houses em centros tech comunitários | Ministério das Comunicações, 2022 |
2023 | ChatGPT explode; IA generativa entra no mainstream | 1ª fase do Digitaliza Brasil: 300 municípios recebem kits de fibra para antigas lan houses | Ministério das Comunicações, 2023 |
2024 | Eleições europeias com IA; 5G chega a 80% do Brasil | MT lança edital “GameHub Comunidade” (lan house + energia solar + curso de games) | Agência Sebrae MT, 2024 |
2025 | 8 bilhões de habitantes; trabalho remoto fixo em 40% dos setores | Modelo “GameHub Comunidade” é replicado por 83 municípios de MT com apoio Sebrae | Agência Sebrae MT, jun 2025 |
* Tabela gerada pela IA Kimi
A transformação: das Lan Houses aos Centros de Inovação Periférica
Atualmente, as antigas lan houses foram reinventadas e transformadas em Centros de Inovação Comunitária. Apoiados por prefeituras, ONGs e empresas de tecnologia, esses espaços oferecem:
- Cursos de programação, robótica e inteligência artificial;
- Laboratórios de criação de games e realidade virtual;
- Incubadoras de startups de base tecnológica;
- Espaços para produção de conteúdo digital (podcasts, vídeos, lives);
- Acesso a ferramentas de empreendedorismo digital e economia criativa.
Um Novo Olhar sobre o Empreendedorismo Popular
A trajetória das lan houses mostra que a inovação nem sempre vem dos grandes centros tecnológicos ou dos laboratórios de elite. Muitas vezes, ela brota da necessidade, da criatividade e da capacidade de adaptação de comunidades que, mesmo sem recursos, encontram formas de se conectar, aprender e crescer.
Hoje, ao invés de ver as lan houses como um modelo ultrapassado, é preciso reconhecê-las como 'pioneiras de uma política de inclusão digital' feita pelo povo, para o povo.
E os novos Centros de Inovação, inspirados nesse legado têm a missão de manter viva essa chama - agora com mais recursos, estrutura e visibilidade.
O Jogo Virou uma Ferramenta de Inclusão Digital e Social
A história da inclusão digital no Brasil sem um protagonista inusitado: as lan houses. Longe de serem apenas espaços de entretenimento, elas se consolidaram como a primeira porta de acesso à tecnologia para milhões de pessoas.
Segundo a PNDA (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) Contínua do IBGE (2024), impressionantes 1 em cada 4 jovens de periferia no país aprende a usar o computador em uma lan house antes do 15 anos. Essa base informal pavimentou o caminho para a era digital.
A relevância desses espaços de jogos transcende as fronteiras. Na Estônia, país referência com 100% de serviços públicos digitais, essa abordagem foi elevada a uma política de estado. Por lá, os "GameHubs" servem como porta de entrada para jovens de 11 a 17 anos, que aprendem lógica de programação via plataformas como Roblox e Minecraft Edu. A gamificação se tornou a estratégia central para o desenvolvimento de habilidades de alta demanda. 🔗
No Brasil, projetos recentes mostram que essa estratégia já gera resultados tangíveis. No Sebrae/MT, a iniciativa "Lan House Conecta" transformou esses espaços em centros de capacitação. O resultado foi a criação de R$ 12 milhões em novos negócios de prestação de serviço digitai, como streaming, edição e criação de skin, entre 2024 a 2025.🔗
Esses exemplos confirmam que os centros de jogos e as lan houses evoluíram. De espaços de lazer, eles se tornaram plataformas de políticas públicas, desenvolvimento econômico e sustentabilidade de uma forma inovadora e extremamente eficaz.
A Lan House como Política Pública: Por que os Espaços de Jogos Importam para a Inclusão Digital
Historicamente, os espaços de jogos foram vistos como meros locais de lazer, mas seu papel na sociedade evoluiu drasticamente. Eles se tornaram centros estratégicos para a inclusão digital e o desenvolvimento econômico, apresentando uma abordagem prática e eficaz para desafios complexos. Investir nesses espaços não é apenas um projeto social, mas uma política inteligente com retornos claros.
Inclusão Digital Real e Acessível
O maior obstáculo para a inclusão digital é a barreira de acesso à infraestrutura. Em muitas comunidades, a posse de um smartphone ou computador pessoal é um luxo inacessível.
As lan houses e centros de jogos, por sua vez, superam esse problema ao oferecerem uma infraestrutura compartilhada e de baixo custo.
Esse modelo quebra a dependência de um desportivo próprio, permitindo que qualquer pessoa, independentemente de sua renda, tenha acesso à internet de alta velocidade de e a computadores potentes, democratizando o aprendizado e a conexão.
Empreendedorismo e Geração de Renda Local
O modelo de negócio das lan houses é, por natureza, um catalizador do empreendedorismo de baixa renda. O capital inicial necessário para montar um pequeno centro de jogos é significativamente menor do que para outros tipos de negócios digitais.
Essa característica permite que empreendedores locais em favelas, vilas e comunidades rurais possam criar e gerir seu próprio negócio. Além de oferecerem um serviço essencial, esses espaços se tornam focos de desenvolvimento econômico local.
Ponte para o Mercado Formal de Trabalho
A experiência nos espaços de jogos é muito mais do que diversão. Ela serve como uma porta de entrada para o mercado de trabalho formal, especialmente na área de tecnologia.
Jovens que começam a frequentar esses locais para jogar desenvolvem habilidades valiosas, como lógica, estratégia, trabalho em equipe e resolução de problemas.
Essas competências são diretamente aplicáveis em carreiras promissoras, como testadores de jogos (game testers), streamers, desenvolvedores de software ou técnicos de TI. A paixão pelo jogo se converte em um caminho claro e prático para uma profissão.
Uma Política Pública Barata e com Alto Retorno
Para governos e formuladores de políticas, o argumento econômico é o mais forte. O investimento em espaços de jogos é notavelmente eficiente.
Segundo dados do Banco Mundial, para cada R$ 1 investido em espaços de jogos educativos, o retorno é de R$ 4,30 em empregabilidade digital em período de até 18 meses. 🔗
Esse retorno sobre o investimento (ROI) é um dos mais altos entre as políticas de capacitação, provando que a estratégia é não apenas socialmente benéfica, mas financeiramente sustentável e lucrativa para a sociedade.
É hora de reconhecer que as lan houses e os centros de jogos são ativos estratégicos. Eles representam uma das formas mais eficientes, rápidas e baratas de impulsionar a inclusão digital, fomentar o empreendedorismo local e preparar uma nova geração para o mercado de trabalho do futuro.
Atualizar esse modelo de negócio com internet de alta velocidade, energia limpa e cursos digitais é mais barato que construir shopping e mais eficaz que muitos programas de inclusão digital.
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Referências (acesse em 08/09/2025)
: Desenvolvimento regional e transformação digital foram os principais destaques do “Encontro Sebrae de Prefeitos”, Agência Sebrae MT, 20 ago 2025.
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